segunda-feira, 24 de março de 2008

Não há lugar para todos

O que você pensa quando ouve alguém dizer que fulano está feito na vida? Você imagina que o tal fulano faz o quê? Seja franco. Provavelmente ele passou em um concurso público daqueles em que o que se trabalha é inversamente proporcional ao que se ganha e o salário é alto, não é? Ou ele é um médico, engenheiro, administrador, etc. Por que será que dificilmente se dirá a um pedreiro que ele está feito na vida? Ou a um policial militar, a um professor, a um jornalista?

Outro exemplo simples e bem visual. Imagine uma propaganda de banco, de seguro de vida ou de marca automotiva. Um homem sai do trabalho, pega o carro e vai buscar seu filhinho em uma escola. Enredo simples. Seja franco novamente. Você imaginou um bonito homem, de terno, saindo do escritório, pegando seu carro do ano e indo a uma escola particular, pegando seu igualmente bonito filho, não é? Por que você não imaginou um pedreiro saindo da construção? Ou um policial saindo de seu plantão para pegar seu filho? Você evocou a imagem bem fresquinha que a mídia produziu, depois de milhares (ou milhões) de propagandas assistidas, em seu inconsciente do trabalhador de sucesso.

Por que algumas profissões são de sucesso e outras não? Ser um profissional da construção civil, por exemplo, é inferior a ser, por exemplo novamente, um gerente administrativo? Observe que fato curioso: as profissões com maior remuneração são as com maior tradição política no Brasil. Médicos, engenheiros, advogados, administradores e concursados (são exemplos), desde o império ocupam cargos legislativos, que entre outras coisas definem remunerações, como o salário mínimo, e quais profissões devem ganhá-lo. Estranho que nenhuma dessas profissões ganha o mínimo...

Pense comigo: e se todos os jovens no Brasil quisessem estar feitos na vida e fizessem faculdade para se tornarem médicos, advogados, engenheiros, administradores; ou fizessem concurso público? Quem iria empilhar tijolos, recolher o lixo das ruas, empacotar compras no mercado, organizar depósitos, entregar frutas? Não é maldade minha, mas é evidente não há lugar para todos. É simples: alguém tem de estar nessas funções, assim os que as exercem (maioria esmagadora no país) necessitam mais do que urgentemente de melhor remuneração.

Concordo que pelo tempo de estudo, um médico deve ser mais valorizado do que alguém que não tem preparo nenhum. Mas e quanto às outras atividades de nível superior? Um jornalista não estudou tanto quanto um engenheiro? Mas qual ganha mais?

O ponto central de toda o problema de distribuição de renda no Brasil é este: a super e a infravalorização de atividades. Se um trabalhador braçal ganhasse um salário realmente "capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social", como diz a Constituição Brasileira de 1988, provavelmente o crime não seria uma profissão de tanto sucesso quanto atualmente é.